domingo, 22 de julho de 2012

Os barbarismos de Adoniran Barbosa


O saudoso Adoniran Barbosa já teria passado a casa dos cem anos no dia 6 de agosto deste ano.
Imortalizado por seu jeito popular de cantar sobre temas que abordavam o cotidiano sob a ótica do cidadão popular excluído da sala de aula, colocando no centro da cena um narrador com as marcas linguísticas fora da modalidade padrão, isto é, da norma “culta”, como insistem os gramáticos ortodoxos.
Adoniran Barbosa já foi mais de uma vez abordado em provas de vestibulares em que as bancas examinadoras apresentam um texto seu em formato original e, em seguida, exige que os candidatos façam uma análise do texto e uma correção gramatical, empregando os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos escolares.
Um vestibular paulista, certa vez, apresentou a canção “Saudosa maloca” como uma “manifestação artística em que ocorre sobreposição do falar popular sobre a norma culta”. Solicitou aos candidatos que explicassem o que ocorria sistematicamente com o “-r” final e o “-lh-” medial das palavras da canção.
Um candidato deveria, então, dizer que o “-r” final era eliminado na letra da canção e que o “-lh-” medial era substituído por “i”. Assim, a palavra “cobertô”, escrita na letra de Adoniran, deveria, após a “correção” do candidato, ser escrita  “cobertor” . Da mesma maneira, a palavra “paia”, deveria, na resposta da prova do vestibulando, ser grafada “palha” após sua intervenção.
Desse modo, os membros da banca examinadora da prova certamente acharam que cumpriram seus papéis de educadores e avaliadores das capacidades intelectuais dos ingressantes do ensino “superior”, seja desintegrando uma canção tão marcante como essa, seja intimidando outras manifestações artísticas, como as composições de Cartola, Angelino Oliveira, Raul Torres, por exemplo, que também ressaltam a fala popular.
Há obras intocáveis por sua beleza, que merecem total respeito do público geral e também da academia. Não há como desprezar “Trem das onze”, “Samba do Arnesto”, “Tiro ao Álvaro”, muito menos “Saudosa maloca”, ou mesmo “Bom dia tristeza”, parceria de Adoniran com Vinícius de Moraes, em que este escreve uma letra também com marcas coloquiais para que aquele acrescente harmonia e melodia.
Adoniran Barbosa, filho de imigrantes italianos, nasceu em Valinhos e mudou-se para São Paulo, terra de sambistas da pesada, embora haja compositor que considere “Sampa” um “túmulo do samba”. Fez muito sucesso com suas letras marcantes porque trazia em seus versos a luta do sobrevivente que, embora viva as dificuldades do cotidiano, ainda vê poesia no mundo, seja nordestino, seja sulista, caiçara ou caipira, isto é, o brasileiro que usa a língua como um veículo de comunicação, e não como moeda por meio da qual pode ser aprovado em concurso e obter títulos e cargos em nossa sociedade marcada por tanta pluralidade cultural, onde só se admite a língua dos “cultos”.     
- Viva Adoniran Barbosa!
(Fabius)

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