segunda-feira, 30 de julho de 2012

SWU e a divisão da juventude brasileira


Nos últimos dois anos, ressaltaram-se alguns festivais de rock no país, mas o SWU, devido à proposta de “ecologicamente sustentável” e ao peso da publicidade se destacou entre os demais. Todos esses encontros ficaram marcados por inúmeros fatos gerados pelas comissões organizadoras, que, na maioria dos casos, não estavam preparadas para receber tanta gente..
Algo de interessante, porém, ressalta-se diante de imperfeições ocorridas e muito divulgadas pela mídia após cada evento. Não há como desprezar as multidões presentes nesses festivais, vindas de todo o país e de outras partes do mundo para o interior paulista.
As aproximadamente 50 mil pessoas que estavam na fazenda Maeda, por exemplo, ouvindo Rage Against The Machine não viam clipes da banda na MTV, não ouviam suas “canções-porrada” em trilhas sonoras de novelas, salvo a trilha de “Matrix” no cinema.
Em outras palavras, os jovens e adultos que estavam presentes nos eventos não estavam ali por um modismo ditado pela onda de nomes divulgados, por exemplo, no circuito de rodeios ou nas grandes festas do agronegócio, como as que acontecem na região de Ribeirão Preto nas quais se vendem produtos que atendam às necessidades de agricultores e pecuaristas. Numa feira, como a Agrishow, acontecem inúmeros shows de duplas do cenário denominado “sertanejo universitário”.
Enquanto o setor cultural dessas feiras privilegia o gênero musical mais querido pelo freqüentador e se afina com seu público com as gigantes estruturas em que se apresentam as duplas sertanejas mais famosas do Brasil, na versão de Itu, o festival SWU levou, entre outras várias, uma banda cujo guitarrista dedicou uma das canções aos “irmãos do MST”.
Sem partidarismo e ideologias vinculadas a qualquer uma dessas partes, isto é, ao setor que se associa ao agronegócio ou aos “irmãos do MST”, é importante que os promotores de cultura do país vejam que existem pessoas que querem mais opções culturais e não aceitam a ditadura de gêneros culturais oferecidos “goela abaixo” por alguns canais de televisão.
A juventude sempre está dividida, portanto faltam festivais de música em relação à enorme quantidade de festas de peão!
(Fabius)

(Zack de la Rocha, vocalista do Rage Against the Machine)



(Tom Morello, guitarrista com adesivo do Sendero Luminoso)


(Homenagem ao MST)





sábado, 28 de julho de 2012

No coração do Brasil

Depois de quatro horas de estrada de terra e mais nove horas de barco descendo o rio Culuene, chegamos ao rio Xingu. Havia muitos jacarés gigantes nas margens. Muita tensão passando pela tribo dos Kuikuro. Na tarde anterior, havia visto o cacique Afukaká Kuikuro almoçando em Canarana. Já no Alto Xingu, quebramos à esquerda para pegar o rio Tatuari, o mesmo pelo qual chegaríamos ao posto Leonardo no dia seguinte.
Descemos na aldeia Yawalapiti, onde se encontrava uma enorme comissão nos esperando. Todos nus, homens e mulheres. Uma paisagem humana colorida e bonita. Anuyá nos guiou à oca de seu pai, onde ficaríamos os próximos dias.
Muita fome para muitos peixes assados dentro da oca. Guarnição de beiju, também chamada de tapioca, feita de mandioca brava pelas índias. Duas iguarias maravilhosas para todos os dias em todas as horas: tucunaré defumado e beiju.
Estava ocorrendo a festa das mulheres. Vários dias dançando e cantando num transe poucas vezes interrompido. Os homens dançavam em círculo na casa da flauta, destinada só aos homens, um espaço sagrado que guardava a misteriosa flauta do Jacuí. Esse instrumento era realmente de dar arrepios. Ali se ouvia o verdadeiro som da alma dos povos floresta. Tudo muito surpreendente para quem não mede distâncias andando atrás de etnomúsica brasileira.
O Cacique Aritana, com bastante humor, ensinava os meninos a executarem toques básicos de flauta com pedacinhos de bambu.
À noite, as onças pintadas miavam bem perto das ocas. Despertava medo, mas nada se comparava ao sentimento de olhar o céu extremamente estrelado, às vezes cortado por minúsculos aviões.
Ao amanhecer, o prazer de acordar na rede, olhar para os lados e, de dentro da oca, saber que um dia inteiro haveria de ser vivido explorando cores, sabores e odores.

(Festa das mulheres)

(Casa da Flauta.I)

(Casa da flauta.II)

(Cacique Aritana)

(Pôr-do-sol)

(Arquitetura para poucos)

(Treino de Hucá-hucá, um tipo de jiu-jitsu do Alto Xingu)





sexta-feira, 27 de julho de 2012

Artesãos de viola


Quando comecei a estudar viola caipira, há alguns anos, comprei um instrumento  usado confeccionado por uma indústria localizada no interior  estado de São Paulo. Era um bom instrumento para um iniciante, mas o artesão Kléber Silveira, de Avaré, encantou-me com um modelo  pequeno de viola, que ele chamava de catireira.  Aos poucos, fui conhecendo outros modelos do próprio Kléber, o que me levou a descortinar um universo maravilhoso de sonoridades e concepções históricas sobre esse instrumento que está no país desde o século XVI.
Na busca de instrumentos que emitissem sons diferentes, nos últimos anos, tenho feito um mapeamento de artesãos, fabricantes de viola caipira, no estado de São Paulo e tenho ficado surpreso com alguns trabalhos.
No médio Tietê, no município de Pirajuí, tive a oportunidade de conhecer o grande violeiro e artesão Levi Ramiro. Sem dúvida, faz violas convencionais de elevadíssima qualidade, mas não há quem não se espante com a qualidade de suas violas de cabaça.
Subindo o mesmo rio, rumo a Botucatu, encontramos os instrumentos do Soler, as violas de Seu Pedro e, recentemente, apresentou-se à comunidade de violeiros o jovem João Luthier, com suas violas requintadíssimas.
Rio acima, chegando a Tatuí, encontra-se o famoso Joacir, antes sediado em São José do Rio Preto, fabrica as violas mais caras do estado de São Paulo. Um instrumento dele, que demora até seis meses para ser entregue sob encomenda, ultrapassa a casa dos três mil reais.
Seu vizinho, na região de Sorocaba, o luthier Sforcin também não fica atrás no que diz respeito a preço e qualidade. Aliás, Sorocaba é um dos mais importantes pilares da cultura que se vincula a esse instrumento.
As violas Mater, de Amparo, fazem muito sucesso entre os violeiros de Piracicaba graças ao incentivo de lojistas ou de professores, como Rafael Danelon, mas, nessa região, há muita coisa boa de fabricantes de Iracemápolis, Americana e até mesmo  Campinas, que é uma cidade grande, mas mantém vínculos com a cultura rural.
Mais ao sul do estado, em Assis, há um jovem luthier que se destaca por inovar com um modelo de viola dinâmica, uma versão desse instrumento cujo som é mais volumoso, com timbres metálicos, devido a um tampo de metal. Trata-se de Luciano Queiroz, artesão que já se formou ciências agrárias em Jaboticabal, mas optou pelo caminho da arte que traz um gigantesco rastro de história que se liga às atividades agrícolas. Um percurso, aliás, inverso às tendências que dominam o campo hoje.
Enquanto o agronegócio “desruraliza” o campo, a força da cultura caipira se consuma pelas mãos dos artesãos, como Luciano, que se fortalecem no Vale do Paraíba, no Vale do Ribeira, no Litoral Sul paulista, além das indústrias Giannini, Xadrez e Rossini, que mantiveram viva a construção do instrumento enquanto a história da música do campo se refez nas últimas décadas. 
(Fabius) 
Luciano Queiroz e sua viola dinâmica: som alto e "metálico"
                     
                  
                         
                        Viola de cabaça usada no trio Tamoyo, feita por Levi Ramiro


                  Levi Ramiro e uma de suas criações com cabaças
Teatro municipal de Jaú - SP

Viola confeccionada por Levi Ramiro



terça-feira, 24 de julho de 2012

Festivais veiculam músicas “marginais”


O cenário musical brasileiro está comprometido com o mercado há décadas. Durante muitos anos, músicos se apresentaram ao vivo nos programas de rádio consagrados em horários “nobres” numa época em que este era o único veículo de comunicação de massa. Depois de quinze anos de existência, a televisão redefiniria os rumos da música no Brasil com os festivais de MPB, como o da TV Excelsior, realizado em 1965 no Guarujá, que divulgaria ao grande público nomes como de Elis Regina, Edu Lobo, Baden Powell, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Tom Zé, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Mutantes, Geraldo Vandré, Chico Buarque, entre tantos nomes já consagrados na comunidade de artistas do eixo Rio - São Paulo.
Muito além das premiações, os festivais tiveram o papel de estabelecer vínculos entre artistas e gravadoras, abrindo também o espaço para canções que tratavam de temas não só amorosos, mas também sociais e políticos, num período de intervenção militar, na transição do governo de Costa e Silva para os “anos negros” de Médici. Por essa razão, a maioria dos compositores que abordaram em suas canções críticas à linha ditatorial dos militares tiveram problemas com o governo.
Os grandes festivais de MPB aconteceram até o início da década de 1970 e depois houve uma  retomada pela rede Globo em 1985, com Tetê Espíndola como a grande vencedora com “Escrito nas estrelas”. Esse evento também divulgou nomes como o da vencedora, além de Oswaldo Montenegro, Luís Wagner, Emílio Santiago, Leila Pinheiro  e o grupo infantil, Trem da Alegria.
A TV Cultura, em 2005, promoveu um festival bastante concorrido do qual Danilo Moraes foi o ganhador . Esse resultado, na época, foi bastante polêmico porque Vandi Daratioto, apresentador do festival, era o pai do vencedor.
No interior paulista e sul de Minas Gerais, a EPTV, vinculada à rede Globo, tem realizado nos últimos anos o festival “Viola de Todos os Cantos”, ligado à sonoridade das manifestações musicais de raiz. Assim mantém duas modalidades para os concorrentes: “música raiz” e “música regional”. Em todas as suas edições, esse evento tem arrebanhado multidões para ouvir canções desconhecidas.
Paralelamente aos festivais apresentados pelas televisões, muitas cidades do interior do Brasil têm mantido grandes programas nos moldes dos festivais que criaram um circuito veiculador de músicas instrumentais e de grandes canções e que também têm mantido destacados nomes desses eventos.
Na cidade de Avaré, por exemplo, no interior paulista, há mais de vinte anos tem acontecido as sucessivas edições da FAMPOP (Feira Avareense de Música Popular). Deste participaram outros artistas representantes de uma geração mais jovem de músicos em relação à geração dos primeiros festivais. Nesses eventos a plateia tem acompanhado espetáculos de Milton Nascimento, Ivan Lins, Toninho Horta, Lenine, Ed Motta, Titãs e muitos outros.
Nessa mesma linha, as cidades paulistas de Ilha Solteira, Tatuí, Pereira Barreto, além de Paranavaí, Porto de Trombetas, no Pará e vários outros têm acontecido.
A grande maioria dos festivais de música que ocorrem no país tem como vitrine o site www.festivaisdobrasil.com.br , mantido pelo músico, também participante de festivais, Sérgio Augusto. Por esse portal virtual, os pretendentes a concorrer em qualquer evento desse perfil têm acesso a fichas de inscrição e informações sobre datas e premiações.
Em Botucatu, ocorrem anualmente o Botucanto, festival que começou modesto em 2003 e que recebe aproximadamente vinte mil pessoas em cinco dias: um em que concorre disputa entre  os músicos da própria cidade, um para músicas instrumentais, dois dias para eliminatórias dos músicos de várias partes do Brasil e, por fim, a grande final. São destinados generosos prêmios para os grandes vencedores.
O mais importante papel desses festivais todos é dar espaço às mais belas canções que não tocam nas rádios e, muito menos, em novelas. Eles têm funcionado como veiculadores das obras compostas pelos autores da verdadeira música popular brasileira, destituídas das cobranças do mercado, das gravadoras e do “jabá”.
(Fabius)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Criadores de galo de briga e diversidade


Há muitos anos, quando ainda não era crime, eram muito comuns as rinhas em que se punham galos para brigar. Sendo bem sincero, tive pouco contato com esse universo, porém nunca seria capaz de esquecer alguns detalhes dessas passagens que ficaram num passado que parece tão distante, como, por exemplo, os treinamentos dos galos. Estes, aliás, eram preparados como verdadeiros atletas de um “vale tudo” com destino fatal a todos. Os animais ficavam horas diárias fazendo “giro de oito”, um tipo de  “esteira” adaptada no meio das pernas do treinador (dono do galo e apostador),  “pulo”, que consistia em elevar o animal pelo peito para que desenvolvesse um “ kung fu” com esporadas.
Quando o galo se feria muito, era comum passar sebo de carneiro nos ferimentos que podiam ser intensos porque, embora houvesse esporas almofadadas para treinos (tipo luvas de boxe), havia também as de osso para disputas “amistosas” e, por fim, as de metal, usadas para as grandes batalhas mortais.
Ainda que muitos brilhem os olhos quando se fala dessa época, até porque existe um universo a ser esgotado sob olhares de antropólogos, sociólogos e historiadores, não falo disso com nenhuma nostalgia devido à enorme violência a que eram submetidos os galos índios, assim também chamados os donos dos quintais do interior nas casas em que se criavam galinhas como uma opção de fonte de proteínas: ovos todos os dias e, copiando Craveiro e Cravinho, “franguinho na panela” para ocasiões especiais.
Existem agrupamentos humanos muito estranhos como os de criadores de galos de briga, que consistem em campos inesgotáveis a serem explorados em pesquisas. De  caçadores de capivara a criadores de curiós, jogadores malha ou bocha, dançarinos de catira ou capoeiristas, cada um faz parte de uma realidade que envolve termos específicos, regras e grandes ícones.
Os agrupamentos que se vinculam a gêneros musicais formam clãs tão específicos com detalhes que se isolam como os criadores de galos de briga ou jogadores de malha. Não dá para falar simplesmente em samba ou rock, já que existem inúmeras ramificações desses estilos. Dizer que Iron Maiden, Ramones, Rage Agaist The Machine e The Beatles são ouvidos pelo mesmo público é difícil. Há, logicamente, aqueles ecléticos que são capazes de ouvir todos os tipos de música dizendo que só existem dois tipos: bonita e feia.
O importante é que exista espaço para veicular a diversidade, não só musical, mas também para todos os agrupamentos que não comprometam a liberdade e a vida de outros seres. Dispensemos agrupamentos de pedófilos e afins.
Quanto aos nossos ouvidos, poderíamos ter mais acesso a músicas que nos livrem dos gemidos que a indústria quer que ouçamos diariamente.
(Fabius)


Trio Tamoyo: Eleanor Rigby (The Beatles)

Adaptação de Eleanor Rigby: compassos estranhos que o trio Tamoyo adora tocar!! Sei que The Beatles ficariam magoados com as mudanças, mas não é só Quentin Tarantino que pode reescrever a história do jeito que ele quer!!!

domingo, 22 de julho de 2012

Os barbarismos de Adoniran Barbosa


O saudoso Adoniran Barbosa já teria passado a casa dos cem anos no dia 6 de agosto deste ano.
Imortalizado por seu jeito popular de cantar sobre temas que abordavam o cotidiano sob a ótica do cidadão popular excluído da sala de aula, colocando no centro da cena um narrador com as marcas linguísticas fora da modalidade padrão, isto é, da norma “culta”, como insistem os gramáticos ortodoxos.
Adoniran Barbosa já foi mais de uma vez abordado em provas de vestibulares em que as bancas examinadoras apresentam um texto seu em formato original e, em seguida, exige que os candidatos façam uma análise do texto e uma correção gramatical, empregando os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos escolares.
Um vestibular paulista, certa vez, apresentou a canção “Saudosa maloca” como uma “manifestação artística em que ocorre sobreposição do falar popular sobre a norma culta”. Solicitou aos candidatos que explicassem o que ocorria sistematicamente com o “-r” final e o “-lh-” medial das palavras da canção.
Um candidato deveria, então, dizer que o “-r” final era eliminado na letra da canção e que o “-lh-” medial era substituído por “i”. Assim, a palavra “cobertô”, escrita na letra de Adoniran, deveria, após a “correção” do candidato, ser escrita  “cobertor” . Da mesma maneira, a palavra “paia”, deveria, na resposta da prova do vestibulando, ser grafada “palha” após sua intervenção.
Desse modo, os membros da banca examinadora da prova certamente acharam que cumpriram seus papéis de educadores e avaliadores das capacidades intelectuais dos ingressantes do ensino “superior”, seja desintegrando uma canção tão marcante como essa, seja intimidando outras manifestações artísticas, como as composições de Cartola, Angelino Oliveira, Raul Torres, por exemplo, que também ressaltam a fala popular.
Há obras intocáveis por sua beleza, que merecem total respeito do público geral e também da academia. Não há como desprezar “Trem das onze”, “Samba do Arnesto”, “Tiro ao Álvaro”, muito menos “Saudosa maloca”, ou mesmo “Bom dia tristeza”, parceria de Adoniran com Vinícius de Moraes, em que este escreve uma letra também com marcas coloquiais para que aquele acrescente harmonia e melodia.
Adoniran Barbosa, filho de imigrantes italianos, nasceu em Valinhos e mudou-se para São Paulo, terra de sambistas da pesada, embora haja compositor que considere “Sampa” um “túmulo do samba”. Fez muito sucesso com suas letras marcantes porque trazia em seus versos a luta do sobrevivente que, embora viva as dificuldades do cotidiano, ainda vê poesia no mundo, seja nordestino, seja sulista, caiçara ou caipira, isto é, o brasileiro que usa a língua como um veículo de comunicação, e não como moeda por meio da qual pode ser aprovado em concurso e obter títulos e cargos em nossa sociedade marcada por tanta pluralidade cultural, onde só se admite a língua dos “cultos”.     
- Viva Adoniran Barbosa!
(Fabius)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Cacique, Pajé e a "Voz do Leste"

No último novembro, estive com Cacique e Pajé num festival de que fui curador em Santa Fé do Sul (SP). No ano anterior, na mesma condição, encontrei-os em Salto (SP). Além de muito simpáticos com o público, que buscava fotos e autógrafos para as capas de CD, foram bem divertidos com todos que se aproximavam de suas figuras alegóricas. Logo que os encontrei, pedi para ver a viola "Cacique e Pajé", confeccionada pela Rozini. Toquei uns riffs do Índio Cachoeira e, em seguida, o Cacique até brincou: "Essa molecada hoje toca bem!". Para sua surpresa, toquei um trecho de "Voz do Leste", de Taiguara. O Cacique transfigurou porque tinha até se esquecido da participação que gravara no disco do autor. 
Naquela tarde em que conferíamos a passagem de som, repetimos inúmeras vezes a letra a canção que fala do olhar e da voz operária do Tatuapé, sua batalha cotidiana, suas esperanças.
Depois do show, fomos jantar no Scalet, um "à la carte" da cidade. Perguntei o que eles achavam das novas duplas. Riram muito e brincaram: "Os universitários que resolveram tocar música sertaneja são pós-graduados em Química. Conseguem transformar música em cocô!" 
Não tem como esquecer duas figuras dessas!
(Fabius)



Cacique Kotóki e Fabius (Aldeia Kamayurá - Alto Xingu)

Simpatia de pessoa, o cacique Kotóki convidou-nos, no posto Leonardo, para conhecermos a tribo dos Kamayurás. Estava hospedado na aldeia dos Yawalapitis já havia dez dias. O rio Tatuari, afluente do Xingu, passa no posto da FUNAI, mas a tribo de Tacumã Kamayurá é presenteada com uma imensa lagoa cheia de peixes gigantescos. Inesquecível!!!
(Fabius)
(Fabius e Kotóki na tribo Kamayurá)


terça-feira, 17 de julho de 2012

A morte dos leiteiros


Em seu poema “A morte do leiteiro”, Carlos Drummond de Andrade relata a morte equivocada de um leiteiro, confundido com um ladrão ao entrar na casa de um de seus clientes. Existe, nessa poesia, um caso muito empregado por professores de língua portuguesa para exemplificarem uma oração subordinada substantiva apositiva, separada por vírgula da oração principal: “Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro”.
            O poeta relata o trajeto de um homem do campo que leva “o leite bom para gente ruim” na cidade. Acorda “cedinho” e, após rude atividade, ultrapassa o limite entre a zona rural e a urbana distribuindo garrafas.
            A figura do leiteiro desapareceu da cidade porque quase não há espaço para o trabalho artesanal no campo do agrobusiness. A própria figura do homem do campo não é mais a mesma nos últimos anos, mas a figura do ex-integrante do campo constitui maioria no espaço urbano hoje porque todos têm um parentesco com aqueles que, um dia, executaram o trabalho pesado do campo. Se não pegaram “no cabo do guatambu” para a carpirem o roçado, tiveram muito trabalho com a “criação”, jargão caipira que designa animais com finalidade de produção de alimentos.
            Não só a figura do leiteiro desapareceu das ruas da cidade, mas, nesse processo de modernização, caiu também a figura de outros ambulantes, como a do padeiro e a do bucheiro, que vendia miúdos bovinos e suínos  e, tocando uma buzina sobre a charrete, avisava à freguesia que estava passando.
Todos eles foram eliminados pela vigilância sanitária, que passou a ditar padrões de higiene aos meios de cultivo de alimentos. Hoje, não somente o leite deve ser pasteurizado, mas também a carne deve conter o carimbo do órgão público que a controla como comível ou não. Os produtos da horta e da granja também não escapam de suas inspeções.
            Certamente a população da cidade ganhou com isso, e a população do campo que migrou para a cidade também, já que passou a ingerir produtos com mais controle e qualidade quando não estão intoxicados por excessos de hormônios e defensivos agrícolas, para não dizermos “veneno”.
            Algo, porém, ficou no campo, e esse é o motivo pelo qual todos migrantes têm imensa nostalgia da roça: a honestidade da maioria dos homens que sabiam o valor de cada minuto de trabalho. Quando se fala nos tempos de moradia do campo, muitos brilham os olhos não pela saudade de acordar às quatro da manhã, mas pela simplicidade de uma vida ainda constituída de valores predominantemente positivos e tradições vinculadas a alegrias e tristeza em cada momento para ser alegre ou triste.
 Nos noticiários, quando se abordam assuntos ligados a grandes quantias de dinheiro desviadas por golpistas de todas as correntes,  recomendamos mais Carlos Drummond de Andrade para combater a ignorância dos cegos materialistas e se resgate um pouco da dignidade de seus antepassados.
(Fabius)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Os parceiros do rio Feio


No final dos anos cinqüenta, o estudioso Antônio Cândido realizou uma pesquisa no município de Bofete, na região de Botucatu, acerca do modus vivendi de uma comunidade de “caipiras” (assim mesmo designada pelo acadêmico).
Intitulada de “Os parceiros do rio Bonito”, a tese aborda o sistema “rudimentar” em que vivem homens e mulheres com as dificuldades do cotidiano subsistente de trabalhadores que estabelecem sistemas de parceria de produção.
Tal estudo despertou olhares com outros vieses de outros pesquisadores sobre a região e sobre a caipirada do cururu de Conchas, Laranjal Paulista, Botucatu, Tietê, Piracicaba e outras sedes importantes de modalidades de uma cultura que singularmente se pode chamar de paulista.
Muito se conhece sobre a contribuição dos trovadores europeus para a formação de gerações refinadas de repentistas do cururu, como aborda o livro de Sergio Santa Rosa “Prosa de cantador”. É sabido que a arte europeia, com inúmeras modificações, chegou aos sertões da Serra do Gigante Deitado, onde se criam sacis na imaginação da criançada. O canturião Manezinho Moreira, de Conchas, fez espetaculares apresentações dessa modalidade de trova em teatros e universidades na França, as quais eram simultaneamente traduzidas aos literatos da Lutecia e eram automaticamente comparadas à arte de antigos trovadores.
Há um século, aproximadamente, avançou rumo ao oeste paulista, passando pela região dos cururueiros, as ferrovias Sorocabana e Noroeste, invadindo o território dos índios kaingang, também chamados de “coroados” por causa do corte de seus cabelos. Diante de tanta informação que circula nos meios digitais hoje em dia, é lamentável que os herdeiros das grandes fortunas ou das dívidas da paulistânia pouco conhecem sobre os antigos donos das terras que foram invadidas por ferroviários, cafeicultores, citricultores e canavieiros.
Os índios da etnia kaingang ficaram conhecidos pelo antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) pela sua força e resistência por defenderem seu território com muita bravura até serem “convencidos” pela índia Vanuíre, kaingang “amansada”, vinda do Paraná e usada para que aceitassem o processo de pacificação e submissão. O rio mais freqüentado pelos coroados foi o Aguapeí, também conhecido por rio Feio. Nome, aliás, injusto a um dos rios mais limpos e belos que deságua no rio Paraná. 



domingo, 15 de julho de 2012

Trio Tamoyo: Canoeiro (instrumental) com viola de cabaça wah wah (Fabius), baixo de pau (Gali) e bateria (Piza)


O samba da minha terra


O poeta Vinícius de Moraes já dizia em “Samba da benção”, uma parceria sua com Baden Powell que “o samba nasceu lá na Bahia”. O grandioso Dorival Caymmi também vinculou seu berço baiano com a origem desse gênero musical em inúmeros versos, e um dos mais famosos é aquele que diz: “O samba da minha terra deixa a gente mole / Quando se canta todo mundo bole”.
As comunidades cariocas do samba têm suas razões para dizerem que o samba é uma expressão musical do Rio de Janeiro uma vez que essa música reúne milhões de pessoas naquela cidade durante o Carnaval, considerando o público e os participantes não só no sambódromo, mas também nas manifestações do chamado Carnaval de Rua.
O Rio é de fato um dos mais importantes berços do samba em nosso país, mas, quando se fala em “origem” das coisas, é impressionante ver como os mitos se divulgam e se consolidam na formação da identidade coletiva, já que é muito cômodo não questioná-los e aceitá-los.
Um dos sentidos de samba se busca na evolução da palavra “semba”, do quimbundo, que significa “batida de umbigo”, expressão que também simbolizava antigamente um tipo de dança exercida em senzalas por escravos depois de doloroso dia de trabalho.
Sem dúvida, esse tipo de dança que envolvia batida de umbigo era praticado tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, mas não se pode negar o prestígio de “berço do samba” a regiões onde também havia imensa concentração de negros, como em Minas Gerais, no Nordeste e também no estado de São Paulo.
Mario de Andrade, na década de 1930, já escrevia sobre o “incerto rebolar de ancas” que o impressionou numa roda de samba rural paulista que, para ele, era muito parecido com o jongo de São Luiz do Paraitinga. Aliás, o autor de Macunaíma mencionou na mesma época o samba rural de Campinas e de Sorocaba.
Os núcleos afro-caipiras de Pirapora do Bom Jesus, de Vinhedo, de Quadra, na região de Tatuí, de várias cidades do Vale do Paraíba e do “Médio Tietê”, como a comunidade do Batuque de Umbigada de Piracicaba, Tietê e Capivari, não deixam a menor dúvida de que o samba não nasceu só na Bahia ou no Rio de Janeiro. Talvez grandes ícones do samba tenham morrido sem saber que o “Samba-lenço”, “Samba de Bumbo”, “Samba de Roda” ou “Samba Rural” e a Umbigada também deixam a gente muito mole quando se canta. Não há como não bulir!
(Fabius)

sábado, 14 de julho de 2012

Poesia marginal do Tambu ao RAP


É muito comum ouvirmos pessoas afirmando que RAP não é música. Quem diz isso se justifica pela suposta “ausência de melodia”.
 Primeiro gostaria de chamar atenção à melodia que existe na própria fala. Quando falamos, subimos e descemos tons, abrimos e fechamos timbres da voz. Não falamos como robôs de forma monótona. Subimos tonalidade para perguntar e descemos para afirmar. Esticamos as vogais para sermos enfáticos e ainda forçamos as “explosões” oclusivas de certas consoantes para atingirmos efeitos de sentido por meio da sonoridade.
Lembremos também que as músicas se constituem de harmonias, melodias e ritmos variados. Para quem não sabe, RAP é uma sigla que se forma da expressão  “rhythm and poetry” (ritmo e poesia).
Assim, podemos afirmar que RAP é música já que os arranjos dos rappers têm harmonias, ritmos e as melodias da fala por meio dos quais a poesia se veicula para falar do cotidiano sob a ótica do “gueto” dos manos.
Os Racionais MC’s, que têm grande expressividade para um público formado por pessoas de diferentes níveis sociais e intelectuais cantam com muito vigor o “negro drama” da “vida loka” em seus álbuns.
Antes da geração de artistas contemporâneos dos Racionais, há mais de década, Thaíde também já representava uma força do movimento  que redefine, por meio da arte, a vida de muitos jovens que são atraídos à realidade do crime.
Esse movimento é o Hip Hop, que une a arte gráfica nas paredes, a dança do B. Boy e a poesia do RAP no mundo todo. Há manos em toda a América Latina, na Europa, na Ásia, na Oceania e, em todos os lugares, a força da poesia negra e mestiça urbana se expande nas rádios comunitárias digitais, nos centros de convivência, nas ruas.
Acredito em que o movimento tenha atingido uma maturidade no Brasil de tal forma que já possa romper com os moldes novaiorquinos que se associam à indumentária, ao vocabulário inglês que designa não só o “B. Boy”, mas também o “MC”, o “freestylo” e outros elementos do cotidiano dos jovens que se inspiram nos padrões americanos.
No Brasil, principalmente, por existirem ricas fontes etnográficas e musicais, os jovens manos que querem expandir os horizontes do HIP HOP, têm a obrigação de conhecer o gueto do “Tambu”, que ritma o batuque de umbigada no triangulo Piracicaba, Tietê e Capivari. Assim verão que, quando cantam o negro drama, a dona Anecide (de Capivari), o seu Dado (de Piracicaba), o Bomba (de Tietê), Vanderlei Bastos, Antônio Jr.(Piracicaba) e  outros cantores e batuqueiros tiram o fôlego de qualquer rapper do freestylo.
(Fabius)
 

Trio Tamoyo:"Trenzinho Kaingang" - Sesc Pompeia.


Um mundo erudito do “violista-caipira”


Nos estudos da morfologia da língua, existem os morfemas, que constituem partes das palavras: o radical, a vogal temática, as desinências e os afixos. Estes se “ramificam” em prefixo e sufixo. Uma pessoa comum, que não viva de língua portuguesa, poderia questionar o que significam essas palavras estranhas.
Esclarecendo-se, teria respostas como: o radical é o “fixo”, que remete ao significado essencial da palavra como, por exemplo, “menin-” em “menino”, “meninada”, “menininhas” leva o usuário da língua a pensar em crianças ou em algo relativo a elas.
Há muitas possibilidades de combinações de usos dos morfemas, e os resultados são surpreendentes. Mas, no cotidiano do brasileiro, os enriquecedores da língua são os afixos, ou seja, os “móveis”, os “não-fixos”, que são acrescidos antes e depois do radical. Com a fusão de “alfa” e “beta”, por exemplo, formamos “alfabeto” e, seguindo dessa nova palavra, podemos acrescentar afixos para termos “analfabeto”, analfabetismo”, “alfabetizado”.
Para designar profissões, os sufixos conferem mais ou menos prestígio a determinados profissionais. O sufixo “-eiro” separa algumas classes profissionais dos grupos constituídos de “-sta”, “-euta”, “-ólogo” e outros. Podemos conferir a segregação sócio-profissional que põe, de um lado, o ferreiro, o pedreiro, o carpinteiro, o marceneiro, o jornaleiro e, de outro, o jornalista, o dentista, o fisioterapeuta, o biólogo, o geólogo, o farmacêutico. O profissional de marketing não se identifica como “marketeiro”, mas como “mercadólogo”. Já a designação “engenheiro” foge à regra já que a classe alcançou reconhecimento singular na sociedade.
No campo artístico também se nota essa segregação de prestígios. Numa orquestra ou em outras áreas da música, por exemplo, temos o “violinista”, o “violista”, o “violoncelista”, o “contrabaixista”, o “trompetista”, o “trombonista”, o “tubista” e muitos outros “-istas”, como o “gaitista”, o “violonista”, o “baterista”, que não se confunde com o “percussionista”.
No universo da música popular, encontram-se músicos e dançarinos que lutam há séculos pela dignidade de sua arte: o violeiro, o catireiro, o fandangueiro, o batuqueiro, o cururueiro, o jongueiro, o congadeiro.
O que muitos não sabem é que existe um universo inesgotável de conhecimentos em cada segmento que envolve os artistas populares do Brasil. Alguns setores, porém, insistem em pôr à margem elementos desse mosaico, evidenciando que falta erudição aos que desprezam o mundo do “viola-caipirista” ou do “violista-caipira” se assim preferem chamar! 
(Fabius)

ESPECIARIAS (Fabius) by Trio Tamoyo


Os nambiquaras e a cultura da higiene

Os nambiquaras somam um grupo bem expressivo de aproximadamente 1500 integrantes que habitam suas reservas no Mato Grosso e em Rondônia. São muito respeitados pelos estudiosos já que têm uma cultura que os diferencia dos demais grupos indígenas do país.
Antes de se tornarem alvo das invasões de garimpeiros em seus territórios na década de sessenta ou serem acometidos por grupos de seminaristas que buscam convencê-los a não mais dançarem para o sol e para a lua e terem somente uma visão religiosa totalmente distante de suas referências, tornaram-se famosos por meio de uma imagem cinematográfica de Marechal Rondon vestindo-os.
Uma característica muito marcante dos nambiquaras é o intenso convívio com seus animais de estimação. Embora comam carne de caça, é comum que filhotes de espécies variadas sejam adotados e tratados com carinho em meio à criançada da aldeia. Caso tenham de migrar de uma região para outra à busca de melhores condições para extração de alimentos, levam a bicharada com suas tralhas.
Não só os nambiquaras têm essa relação com seus animais no país, mas também inúmeros grupos indígenas brasileiros, além de toda a população de não-índios que reside as cidades tupiniquins.
É impressionante ver o mercado milionário que envolve o setor do pet-shop no país. Encontram-se, nas lojas desse setor, serviços de banho e tosa, venda de rações ou de adereços que enchem a rotina de cães, gatos, peixes, pássaros e outros de atividades voltadas para o espaço que ocupam em casas e apartamentos de seus donos.
Não há como negar que um animal de estimação mude a vida de uma criança para melhor. Existem inúmeras razões para que um pai ou uma mãe abra um espaço no lar para que uma criança passe a ter um convívio com um pet, seja terrestre ou aquático. Uma delas é a responsabilidade de alimentar o bichinho e, como prêmio, ganhar carinho do animal. Outra coisa importante e aprender ter responsabilidade de limpar o quintal, mesmo que o bicho vá sujá-lo em seguida. Afinal, ninguém gosta de usar banheiro sujo. Nem o cachorro!
O que os pais não podem fazer é ensinar a criança a levar o bicho de estimação fazer sujeira na calçada do vizinho, pois, assim, a rua viraria um banheiro canino a céu aberto.
Aliás, vemos, hoje em dia, muitos adultos que se julgam mais civilizados do que os nambiquaras fazendo esse tipo de coisa.
Desse modo, não dá para pensar em civilização sem a cultura da higiene presente.
Se herdamos de nossos ancestrais a necessidade de um bicho de estimação, é importante que o tenhamos nas melhores condições possíveis.
(Fabius)