terça-feira, 17 de julho de 2012

A morte dos leiteiros


Em seu poema “A morte do leiteiro”, Carlos Drummond de Andrade relata a morte equivocada de um leiteiro, confundido com um ladrão ao entrar na casa de um de seus clientes. Existe, nessa poesia, um caso muito empregado por professores de língua portuguesa para exemplificarem uma oração subordinada substantiva apositiva, separada por vírgula da oração principal: “Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro”.
            O poeta relata o trajeto de um homem do campo que leva “o leite bom para gente ruim” na cidade. Acorda “cedinho” e, após rude atividade, ultrapassa o limite entre a zona rural e a urbana distribuindo garrafas.
            A figura do leiteiro desapareceu da cidade porque quase não há espaço para o trabalho artesanal no campo do agrobusiness. A própria figura do homem do campo não é mais a mesma nos últimos anos, mas a figura do ex-integrante do campo constitui maioria no espaço urbano hoje porque todos têm um parentesco com aqueles que, um dia, executaram o trabalho pesado do campo. Se não pegaram “no cabo do guatambu” para a carpirem o roçado, tiveram muito trabalho com a “criação”, jargão caipira que designa animais com finalidade de produção de alimentos.
            Não só a figura do leiteiro desapareceu das ruas da cidade, mas, nesse processo de modernização, caiu também a figura de outros ambulantes, como a do padeiro e a do bucheiro, que vendia miúdos bovinos e suínos  e, tocando uma buzina sobre a charrete, avisava à freguesia que estava passando.
Todos eles foram eliminados pela vigilância sanitária, que passou a ditar padrões de higiene aos meios de cultivo de alimentos. Hoje, não somente o leite deve ser pasteurizado, mas também a carne deve conter o carimbo do órgão público que a controla como comível ou não. Os produtos da horta e da granja também não escapam de suas inspeções.
            Certamente a população da cidade ganhou com isso, e a população do campo que migrou para a cidade também, já que passou a ingerir produtos com mais controle e qualidade quando não estão intoxicados por excessos de hormônios e defensivos agrícolas, para não dizermos “veneno”.
            Algo, porém, ficou no campo, e esse é o motivo pelo qual todos migrantes têm imensa nostalgia da roça: a honestidade da maioria dos homens que sabiam o valor de cada minuto de trabalho. Quando se fala nos tempos de moradia do campo, muitos brilham os olhos não pela saudade de acordar às quatro da manhã, mas pela simplicidade de uma vida ainda constituída de valores predominantemente positivos e tradições vinculadas a alegrias e tristeza em cada momento para ser alegre ou triste.
 Nos noticiários, quando se abordam assuntos ligados a grandes quantias de dinheiro desviadas por golpistas de todas as correntes,  recomendamos mais Carlos Drummond de Andrade para combater a ignorância dos cegos materialistas e se resgate um pouco da dignidade de seus antepassados.
(Fabius)

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