Em seu poema “A morte do
leiteiro”, Carlos Drummond de Andrade relata a morte equivocada de um leiteiro, confundido com um ladrão ao entrar na casa de um de seus clientes. Existe,
nessa poesia, um caso muito empregado por professores de língua portuguesa para
exemplificarem uma oração subordinada substantiva apositiva, separada por
vírgula da oração principal: “Há no país uma legenda, que ladrão se mata com
tiro”.
O
poeta relata o trajeto de um homem do campo que leva “o leite bom para gente
ruim” na cidade. Acorda “cedinho” e, após rude atividade, ultrapassa o limite
entre a zona rural e a urbana distribuindo garrafas.
A figura do leiteiro desapareceu da cidade
porque quase não há espaço para o trabalho artesanal no campo do agrobusiness. A própria figura do homem
do campo não é mais a mesma nos últimos anos, mas a figura do ex-integrante do
campo constitui maioria no espaço urbano hoje porque todos têm um parentesco
com aqueles que, um dia, executaram o trabalho pesado do campo. Se não pegaram
“no cabo do guatambu” para a carpirem o roçado, tiveram muito trabalho com a
“criação”, jargão caipira que designa animais com finalidade de produção de
alimentos.
Não
só a figura do leiteiro desapareceu das ruas da cidade, mas, nesse processo de
modernização, caiu também a figura de outros ambulantes, como a do padeiro e a
do bucheiro, que vendia miúdos bovinos e suínos e, tocando uma buzina sobre a charrete, avisava
à freguesia que estava passando.
Todos eles foram eliminados pela
vigilância sanitária, que passou a ditar padrões de higiene aos meios de
cultivo de alimentos. Hoje, não somente o leite deve ser pasteurizado, mas
também a carne deve conter o carimbo do órgão público que a controla como
comível ou não. Os produtos da horta e da granja também não escapam de suas
inspeções.
Certamente
a população da cidade ganhou com isso, e a população do campo que migrou para a
cidade também, já que passou a ingerir produtos com mais controle e qualidade
quando não estão intoxicados por excessos de hormônios e defensivos agrícolas,
para não dizermos “veneno”.
Algo,
porém, ficou no campo, e esse é o motivo pelo qual todos migrantes têm imensa
nostalgia da roça: a honestidade da maioria dos homens que sabiam o valor de
cada minuto de trabalho. Quando se fala nos tempos de moradia do campo, muitos
brilham os olhos não pela saudade de acordar às quatro da manhã, mas pela
simplicidade de uma vida ainda constituída de valores predominantemente
positivos e tradições vinculadas a alegrias e tristeza em cada momento para ser
alegre ou triste.
Nos noticiários, quando se abordam assuntos
ligados a grandes quantias de dinheiro desviadas por golpistas de todas as
correntes, recomendamos mais Carlos
Drummond de Andrade para combater a ignorância dos cegos materialistas e se resgate um pouco da dignidade de seus antepassados.
(Fabius)
Nenhum comentário:
Postar um comentário